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INCC (Índice Nacional de Custo da Construção Civil) E ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL: POR QUE O ÍNDICE NÃO DEVE SER APLICADO

O mercado imobiliário brasileiro tem, nos últimos anos, enfrentado discussões relevantes acerca da aplicação do Índice Nacional de Custo da Construção Civil (INCC), especialmente nos casos em que há atraso na entrega de obras. O INCC é utilizado como fator de atualização monetária nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis ainda na planta, sendo aplicado para corrigir os valores das parcelas pagas pelos compradores durante o período de construção. A controvérsia surge quando, mesmo diante do atraso na conclusão da obra — muitas vezes imputável exclusivamente à construtora —, busca-se continuar aplicando o índice, gerando aumento no valor final do contrato.

Essa prática tem sido contestada sob a ótica do direito do consumidor, do equilíbrio contratual e da função social do contrato, de modo que diversas decisões judiciais têm reconhecido a abusividade da aplicação do INCC durante o período de mora da construtora.

O presente artigo foi elaborado com o objetivo de esclarecer as práticas comumente adotadas por construtoras e agentes financeiros.

 

 

O que é o INCC e como funciona sua aplicação nos contratos imobiliários

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) é um indicador criado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o objetivo de medir a variação dos custos da construção civil no Brasil. Ele considera preços de insumos como materiais, mão de obra e equipamentos utilizados no setor, sendo, portanto, um índice que reflete a inflação específica da construção.

Nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta, o INCC é comumente utilizado para corrigir as parcelas do saldo devedor entre a assinatura do contrato e a entrega das chaves. Em regra, a aplicação do índice se justifica porque, durante o período de construção, há variações de custos que precisam ser absorvidas pelo contrato, garantindo ao incorporador equilíbrio econômico.

Ocorre que o INCC não é um índice neutro ou genérico de inflação: ele está diretamente ligado ao andamento das obras.

Por isso, sua aplicação só se mostra legítima enquanto houver efetiva execução da construção. Quando há paralisação ou atraso injustificado, a aplicação do índice passa a representar ônus excessivo ao consumidor, já que este continua arcando com reajustes sem receber a contraprestação correspondente, isto é, a evolução da obra no tempo devido.

A problemática da aplicação do INCC em caso de atraso na entrega do imóvel

O atraso na entrega de imóveis comprados na planta é uma realidade recorrente no mercado imobiliário. Quando a construtora não cumpre o prazo previsto contratualmente, o consumidor é duplamente prejudicado: de um lado, pela espera prolongada para a obtenção do bem; de outro, pela imposição de reajustes que elevam consideravelmente o custo do imóvel.

A aplicação do INCC nesse contexto é problemática porque transfere ao consumidor os riscos da atividade econômica do incorporador. Se a construtora não entrega o imóvel na data pactuada, ela entra em mora e não pode exigir do comprador o cumprimento de obrigações que decorrem da execução regular do contrato. A continuidade da aplicação do INCC nesse cenário representa enriquecimento ilícito da construtora, além de contrariar princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.

Nesse sentido, diversos tribunais vêm reconhecendo que, em caso de atraso na obra, a aplicação do INCC não é admissível. Isso porque o índice se destina a refletir a variação dos custos da construção, e, uma vez descumprido o prazo contratual, não se pode impor ao consumidor os efeitos econômicos decorrentes da própria mora da construtora.

Entendimento jurisprudencial e fundamentos legais

A jurisprudência pátria tem firmado posição no sentido de que a aplicação do INCC durante o período de atraso é abusiva. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do julgamento do REsp 1.729.593-SP, tema 996, estabeleceu um importante tese relacionada à correção monetária nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel na planta, especialmente quando há atraso na entrega por parte da construtora.

Uma das questões centrais tratadas pelo STJ no julgamento foi a correção monetária do saldo devedor durante o período de atraso da construtora. Antes do atraso, a correção era feita pelo INCC (Índice Nacional de Custo da Construção).

A decisão do STJ estabeleceu que, em caso de atraso na entrega do imóvel, o índice de correção monetária que incidirá sobre o saldo devedor não será mais o INCC, mas sim o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), salvo se este último estiver mais alto que o INCC.

Os fundamentos para afastar a aplicação do INCC em obras atrasadas encontram respaldo principalmente no Código de Defesa do Consumidor (CDC). O artigo 51, inciso IV, considera nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações abusivas ou coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Além disso, o artigo 6º, inciso V, assegura ao consumidor a revisão contratual em razão de fatos supervenientes que tornem a obrigação excessivamente onerosa.

A boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil, também é um parâmetro fundamental. O comportamento da construtora ao aplicar reajustes durante o período de mora fere a confiança legítima do consumidor e viola o dever de lealdade contratual.

Nesse contexto, decisões dos Tribunais de Justiça estaduais reforçam que a aplicação do INCC em atraso é indevida, determinando a restituição dos valores pagos a maior ou, em alguns casos, a substituição por outro índice, como o IPCA, aplicável apenas após a entrega do imóvel.

Impactos práticos e proteção ao consumidor

O reconhecimento da impossibilidade de aplicação do INCC em obras atrasadas traz relevantes impactos práticos. Para os consumidores, representa a garantia de que não serão penalizados por falhas da construtora, evitando acréscimos indevidos no valor do imóvel. Para o mercado imobiliário, reforça a necessidade de maior planejamento e responsabilidade na execução dos empreendimentos.

Sob a ótica do equilíbrio contratual, a exclusão do INCC em período de atraso impede que a relação entre as partes se torne desproporcional. Além disso, fortalece a confiança no mercado, já que o consumidor se sente protegido contra práticas abusivas.

Outro ponto importante é a possibilidade de cumulação dessa tese com pedidos indenizatórios. Muitos tribunais têm reconhecido o direito à reparação por danos materiais e morais em razão do atraso na entrega do imóvel, somando-se à vedação do INCC o direito a compensações adicionais.

Assim, a discussão sobre o tema transcende a simples análise de cláusulas contratuais e se insere em um contexto mais amplo de proteção ao consumidor, equilíbrio das relações e estímulo à boa prática empresarial.

Conclusão

A análise sobre a aplicação do INCC em casos de atraso na entrega de imóveis evidencia que o índice não pode ser utilizado como mecanismo de correção durante o período de mora da construtora. Sua aplicação nesses casos representa afronta ao princípio do equilíbrio contratual, além de configurar prática abusiva vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

O entendimento jurisprudencial consolidado caminha no sentido de resguardar o comprador, afastando a incidência do índice em atraso e, em alguns casos, determinando a restituição de valores indevidamente pagos. Essa postura dos tribunais reforça a ideia de que os riscos do empreendimento devem ser assumidos pela incorporadora, não podendo ser repassados ao consumidor.

Portanto, a exclusão do INCC em obras atrasadas não apenas protege os interesses individuais dos adquirentes, mas também contribui para um mercado imobiliário mais justo, equilibrado e transparente, onde a responsabilidade empresarial é valorizada e a confiança do consumidor preservada.

Se você, consumidor, se depara com a cobrança do INCC durante o período em que a obra se encontra atrasada, é fundamental compreender que tal prática é indevida e pode ser questionada judicialmente.

Nesses casos, a atuação de assessoria jurídica especializada em direito imobiliário não é apenas recomendável, mas indispensável para assegurar a proteção dos direitos do adquirente, evitar prejuízos financeiros e aumentar as chances de restituição dos valores pagos indevidamente. Afinal, não se trata apenas de uma discussão contratual, mas da efetividade do direito do consumidor e da preservação de seu patrimônio.

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